( NATAL - RIO GRANDE DO NORTE )
TRIBUTO À MEMÓRIA DE ZILA MAMEDE
21-12-2003
Convivo com as pessoas com um certo estranhamento.
Passo anos ao lado de colegas de trabalho, de vizinhos, de amigos das confrarias — dos cartofilistas, dos cultivadores de bromélias, de poetas — e não sei bem onde moram, se são casados, se têm filhos. Vejo-as tão somente na dimensão dos relacionamentos ocasionais.
Não é que não esteja interraessado nelas... Muito pelo contrário, quero ouví-las, saber o que pensam, quero aprender delas suas vastas experiências, mas jamais pergunto sobre suas vidas íntimas, como se me bastassem suas ideias, suas impressões, opiniões, seus testemunhos.
Com Zila Mamede não foi diferente. Conhecia-a desde os anos 70, quando ela dirigia a Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que eu visitei muito na condição de Assessor de Planejamento da CAPES/MEC. Lutamos muito para que o Reitor da UFRN devolvesse o prédio recém-construído em que alojara a própria Reitoria...
Nos tempos do fim da ditadura ela chegou a promover atos públicos em defesa do espaço para os livros: chegou a anunciar seu suicídio se não atingisse os seus objetivos...
Não seria um hara-kiri qualquer, anônimo e inconsequente. Zila era um patrimônio público, uma intelectual de respeito nacional.
(Havia frequentado o mestrado em Biblioteconomia, na Universidade de Brasília, nos anos 60, pioneiro no Brasil, que foi interrompido pela crise universitária da época.
Trabalhou como assessora e líder no Instituto Nacional do Livro, em Brasília, e já era poeta/poetisa de renome.
Embora estivéssemos quase todo o tempo de minhas visitas a Natal (RN) em planejamento do espaço físico, no treinamento de seu pessoal bibliotecário — que ela havia formado— , no desenvolvimento das coleções bibliográficas, sempre sobrava algum tempo para conversarmos sobre literatura e poesia. Numa das vezes ela me brindou com uma bela gravura da Maria Leontina, com uns versos dela que serviram de motivação (ou inspiração, por que não?!) à célebre artista. Tenho-a emoldurada numa sala de meu apartamento brasiliense desde aquela época.
Lei e releio, com renovada admiração.
Numa das viagens a Natal, soube dos detalhes de sua morte, afogada no mar que ela tanto amava e cultuava.
O corpo esteve desaparecido até ser encontrado numa praia pelos pescadores e reconhecido pelo meu amigo, o médico José Valério Cavalcante, que também era amigo dela de longa data. Não estava com ela na hora do naufrágio, mas trago na memória, pela sua repetição, o momento em que ela desapareceu no horizonte e deixou-nos aflitos e desolados.
Na casa modesta em que viveu, passamos horas conversando, e a única testemunha era um cachorro muito velho que (parece) já estava cego e caduco.
E os livros dela.
Saía da enorme biblioteca em que ela trabalhava para o convívio com os próprios livros.
Agora convivo com os livros dela em minha biblioteca da chácara (em Cocalzinho, Goiás), que visito de vez em quando, para conversar com ela.
Que lições de humanidade! Que sensibilidade extraordinária!
Que saudade!!!
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